O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (“CADE”) realizou, nos dias 16 e 30 de outubro de 2019, as 147ª e 148ª Sessões Ordinárias de Julgamento. A ocasião marcou o início dos trabalhos dos recém-empossados Conselheiros Sérgio Ravagnani, Lenisa Prado e Luiz Hoffmann.
Dentre os casos julgados nas sessões, destacamos dois em especial:
1. Cobrança da “taxa de segurança” no mercado de armazenagem alfandegária.
Processo Administrativo nº 08700.005418/2017-84
Representada: Tecon Suape S.A.
Relator: Conselheiro Paulo Burnier da Silveira
O caso diz respeito a suposto abuso de posição dominante da Representada (Operadora Portuária atuante nos mercados de descarga e movimentação horizontal de carga, do qual é monopolista, e de armazenagem alfandegária, verticalmente integrado ao primeiro) em prejuízo das representantes do processo (Recintos Alfandegários responsáveis por armazenagem alfandegária) no Porto de SUAPE.
Na dinâmica contratual do mercado, o importador contrata individualmente, ainda que por meio de “pacotes”, os serviços de descarga e movimentação e de armazenamento. Dessa forma, não há, a princípio, relação contratual entre a Representada e as representantes.
A conduta consiste na cobrança pela Representada de “taxa de segurança” a título de liberação de cargas às Representantes, que representa o repasse de custos incorridos pela Representada na aplicação das normas de segurança para atracagem do Código ISPS.
A Representada alegou que a cobrança é autorizada pela ANTAQ, agência reguladora do setor, que permite a livre negociação de serviços não compreendidos na Box Rate, como seria o caso da “taxa de segurança”. Assim, esta poderia ser cobrada diretamente do Recinto Alfandegário.
A Representada possui posição dominante na medida em que disponibiliza estrutura essencial às Representantes (i.e., a descarga e movimentação de contêineres para posterior armazenamento). O abuso da posição dominante, por sua vez, estaria presente na prática de price squeeze, em que a “taxa de segurança” é cobrada apenas de Recintos Alfandegários que não o da própria Representante, a qual se aproveita de sua verticalidade para elevar os preços de seus concorrentes. Não seria o caso, assim, de sinergia decorrente da sua estrutura, mas, na verdade, de elevação artificial dos preços em benefício próprio.
O voto vencido do Conselheiro Paulo Burnier atestava que, muito embora esta prática seja possível, não havia indícios probatórios suficientes para sustentar a discriminação de preços, mesmo que indireta, quando compensados no mercado monopolizado de movimentação de carga.
Não obstante, o Tribunal se manifestou no sentido de que a “taxa de segurança” seria um custo representativo de um serviço prestado indistintamente a todos os usuários e clientes do porto, de modo que estaria incluída no Box Rate, e, portanto, cobrada diretamente do armador/importador, consoante a regulamentação da própria ANTAQ à época (arts. 4º, 5º e 11 da Resolução nº 2.389/2012).
De outro modo, sendo uma despesa extraordinária, como na hipótese de requerimento do próprio importador ou exigência aduaneira, sanitária ou ambiental, haveria a procedência da cobrança direta do Recinto Alfandegário.
Assim, nos termos do voto-vista Conselheiro Mauricio Oscar, e do voto-vogal do Presidente Alexandre Barreto de Souza, que aderiram ao voto da Conselheira Paula Azevedo, o Tribunal, por maioria, condenou a Representada ao pagamento de multa, para que cesse a cobrança da “taxa de segurança” e se abstenha de criar qualquer outra cobrança baseada nos custos do Código ISPS.
Em complemento ao mérito do caso, destaca-se ponderação interessante a respeito da desnecessidade de envio de cópia da decisão à Secretaria de Advocacia da Concorrência e Competitividade para edição de súmula, uma vez que o posicionamento do CADE já havia sido compartilhado pela ANTAQ, agência reguladora do setor, na edição dos novos parâmetros regulatórios para a operação portuária (Resolução Normativa nº 34, de 19 de agosto de 2019), de modo a dispensar promoção adicional da concorrência pelo CADE.
2. Valoração probatória em casos de cartel.
Processo Administrativo nº 08700.009167/2015-45
Representados: Adler Assessoramento Empresarial Ltda., Alsar Tecnologia Em Redes Ltda., Cdt Comunicação de Dados Ltda., Netway Datacom Comércio de Sistemas para Informática Ltda., Rhox Comunicação de Dados Ltda., Tellus S.A. Informática e Telecomunicações, Vertax Redes e Telecomunicações Ltda., Cristiane dos Santos Costa, Emílio Timo, Fábio de Azevedo Montoro, Margareth Brixi Tony de Souza, Paulo de Assis Gomes, Rochely Maria Moura Leal Lima, Rômulo Silva Nogueira, Ronato Batista de Oliveira, Ronei Souza Machado e Wellington da Rocha Mello Júnior.
Relator: Conselheiro Mauricio Oscar Bandeira Maia
O caso diz respeito a um suposto cartel formado em processos licitatórios no âmbito de serviços de tecnologia da informação prestados a órgãos e empresas públicas do Distrito Federal, entre 2005 e 2008.
A conduta correspondia a ajustes feitos entre os Representados (sociedades, e seus representantes, que participavam de certames públicos) de modo a predefinir a proposta vencedora e as propostas de cobertura, falseando a concorrência na licitação.
As provas juntadas nos autos consistiram em trocas de e-mails que retratam arranjos de preço entre os concorrentes e envio de propostas no certame, em complemento às propostas efetivamente realizadas na licitação.
Destacamos o voto do Conselheiro-Relator Mauricio Oscar Bandeira Maia, o qual contribui para verificar a valoração probatória feita pelo CADE em casos de cartel.
Nesse sentido, o Conselheiro-Relator, que fora acompanhado pelos demais membros do Tribunal, entende não ser suficiente a prova econômica/comportamental para ensejar infração à ordem econômica. Deve esta, de outro modo, estar acompanhada de troca de informações sensíveis capazes de sustentar atuação concertada.
Da mesma forma, a troca dessas informações também não foi considerada, por si só, como suficiente para caracterizar a infração.
Nessa linha, as condutas da Representada Adler Assessoramento Empresarial Ltda. (atualmente R.E. Engenharia Ltda.) não foram consideradas suficientes para configuração de infração à ordem econômica, muito embora tenha-se ressaltado que o compartilhamento de informações entre ela e os demais Representados possa sugerir possível atuação concertada.
Destaca-se, por fim, que a prova que consista em menção de agente econômico em troca de mensagens cujo objeto seja a prática de infração à ordem econômica teve sua importância questionada pelos Representados. O tópico também havia sido abordado no pedido de vista do Conselheiro Luiz Hoffman, quanto ao Processo Administrativo nº 08700.007938/2016-41, julgado na sessão anterior (147ª Sessão Ordinária).