Em 5 de novembro de 2019, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou caso que definiu não só as recuperações judiciais de produtores rurais, mas também o curso do mercado de crédito no setor. O voto do ministro Luis Felipe Salomão encerrou o empate legado pela 4ª Turma da Corte a partir dos votos do ministro relator Marco Buzzi e do ministro Raul Araújo. O desfecho do caso (Recurso Especial nº 1.800.032/MT) no STJ se deu no sentido de que se sujeitam à recuperação judicial os créditos contra produtores rurais que tenham sido constituídos antes de sua inscrição na Junta Comercial.
A recuperação judicial de produtor rural incita inúmeros debates no ambiente jurídico e o Judiciário, como visto, não é exceção. Dois pontos, em especial, se destacam nesta discussão: (i) a possibilidade de o produtor rural inscrito na Junta Comercial há menos de dois anos do requerer a recuperação judicial; e (ii) a sujeição de créditos anteriores à referida inscrição.
Segundo o disposto na Lei nº 11.101/2005, em seu art. 48, um dos requisitos para requerer a recuperação judicial é o exercício regular (i.e., inscrição no registro competente) da atividade empresarial por pelo menos dois anos. Há, nesse sentido, uma peculiaridade para o empresário rural, ao qual é facultada a inscrição na Junta Comercial (arts. 971 e 984 da Lei nº 10.406/2002). A divergência, por sua vez, se acentuou com a modificação incluída pela Lei nº 12.873/2013 à lei recuperacional, de modo que, a partir dela, o empresário rural devedor poderia comprovar seus dois anos de regularidade com base em Declaração de Informações Econômico-fiscais da Pessoa Jurídica.
O tema seguiu relevante no cenário jurídico nacional e foi objeto de discussão na III Jornada de Direito Comercial realizada em junho de 2019, cujos enunciados 96 e 97 deram entendimento favorável ao produtor rural, de modo que o requerimento poderia ser feito por pessoa natural ou jurídica inscrita há menos de dois anos e a abrangência do crédito à recuperação judicial seria irrestrita. Embora não vinculantes, os enunciados representam referenciais interpretativos a advogados e magistrados. A decisão do STJ, por sua vez, veio para conferir mais segurança ao segundo ponto, confirmando o posicionamento da Jornada, a qual contou com diversos ministros do STJ, dentre eles os ministros Raul Araújo e Luis Felipe Salomão.
O principal argumento dos votos vencedores fora que a atividade desempenhada pelos produtores rurais permanece a mesma após sua inscrição na Junta Comercial, não havendo racional para privar este empresário do instituto recuperacional. Um dos efeitos colaterais desta decisão, por outro lado, está no mercado de crédito rural, cujos principais agentes são instituições financeiras e trading companies. Isso porque a possibilidade de recuperação judicial dos produtores rurais, beneficiários deste crédito, pode aumentar significativamente o risco dos credores, que agora se veem obrigados a incorporar a possibilidade de novação recuperacional ao cálculo dos juros. Dado que muitos dos produtores rurais brasileiros se encontram em situação empresarial não regular, a expectativa é de que o impacto da decisão do STJ seja de proporções consideráveis.